terça-feira, 28 de dezembro de 2010

ano novo



Quando o vento do ciúme me cortar
Meu cabelo vou balançar
Um banho quente pra tirar
o gosto amargo que ele deixou
Quando o vento do ciúme balançar
Meu cabelo vou cortar
Um banho quente pra tirar
o gosto amargo que ele deixou
Levanta, toma, tira, meu ciúme de volta
Banha de arruda e sossego
Tira da boca amargada
Balança, manda, solta meu ciúme de volta

Arruda e sossego - Alessandra Leão

domingo, 19 de dezembro de 2010

Caquinhos

Final de dezembro tem pendências a serem resolvidas, o peso do ano todo nas costas, e uma ânsia para chegar logo o dia do "Feliz Ano Novoooo!". Esse tempo tem a mesma cor e o mesmo cheiro todo ano, como se fosse um tempo marcado para enfrentar os fantasmas e fazer os votos para a mudança. Tem o tempo da explosão de emoções, o tempo sombrio de ficar cara a cara com elas, o tempo do luto, e o tempo da cura.

Esse ano passei a perna no tempo. Hoje o dia amanheceu com cara de cura, de paz, de redenção. Meu novo ano veio mais cedo. Minhas esperanças se renovaram, vendo que, afinal, as coisas não estão tão diferentes assim. É só necessário um breve período para as devidas adaptações, e pronto!

Ontem fui buscar os meus caquinhos, buscar o que de mim deixei por lá. Lugar que já há muito tempo me acolhe, com bons amigos e bons ares.

Ontem, juntei os meus pedaços.

Hoje o dia amanheceu gozado, já ressaqueado, já esburacado. Teve cara de último dia dos velhos tempos, e cara dos bons dias que virão. Vejo um futuro bom. Palavras ainda não precisam ser ditas. Um carinho nos olhos, respira, e vejo que, finalmente, tudo vai ficar em seu devido lugar. Ainda vazia em meio ao meu caos, trago a espada alerta e o escudo em posição. Mas vejo o fim desta batalha.

Um viva aos bons dias que se foram e aos bons dias que virão!


Afinal, não haveria luz se não fosse a escuridão.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Saudades

Escrevo sobre esse clima verão-festas-natal-presentes-viagens. É sempre um tempo muito agitado. E se esse ano estive fora de casa a maior parte dos dias, o que seria de mim nesse dezembro. Voltando pro hotel, apenas pra tomar banho e trocar de roupa, diria minha mãe. É tempo de dias quentes pra sair de bicicleta. É tempo de visitar os amigos. É tempo de amigo-secreto. É tempo de banho de rio. É tempo dos primeiros gritos de carnaval. Tempo de ir pro centro e andar a tarde toda atrás do acessório perfeito pra fantasia. É tempo dos últimos sambas do ano, tão celebrados na esperança de um ano que logo vem. É tempo de aproveitar as noites quentes. É o tempo em que o horário de verão se mostra a melhor coisa já inventada. É tempo de cerveja gelada ao som de músicas dançantes. É tempo de gente feliz nas ruas. É tempo de gente desesperada por dinheiro. É tempo de tomar cuidado com a bolsa. Presa temporariamente, quase esqueço que esse tempo tem seu mau-tempo. Hoje aprendo a dar mais valor a minha liberdade, mesmo com todas as limitações financeiras ou morais. Quando não temos algo, nos parece tão valoroso, nos dá tanta saudade. Mas e se estivesse comigo, aqui, como seria? Ah besteira duvidar, eu sei que seria lindo. Seriam lindos os fins de tarde, os últimos sambas, as tardes a toa, as compras no centro, os passeios de carro/ônibus/bicicleta/barco/avião(?), os sorvetes, as flores, a vida! Bora?


sábado, 11 de dezembro de 2010

Jaula



Passei a semana em casa, com o pé pra cima. E quer saber? Cansei mesmo de fazer a linha "poderia ter sido pior" ou "nada é por acaso". É fato que estou enlouquecendo. Começa por depender das pessoas pra fazer várias coisas. Outra, a incapacidade de ir e vir. Minha mãe diz que tenho rodinhas nos pés. Não agora. Dizem que a gente só dá o devido valor a qualquer coisa quando perde. Estou convencida de que é verdade. Que falta faz ir até a esquina comprar pão. Que falta faz poder escolher entre sair ou ficar em casa. O direito de ir e vir e o poder de escolha. A vida dá um freio e de repente tudo pára. O desespero de estar presa, o movimento acontece na cabeça, e o corpo não acompanha. Claro que isso tudo me fez perceber o quão perfeita é minha vida e o quanto tenho a agradecer. Mas hoje, sábado a noite, o dia sagrado... Coisas lindas que queria ver, ouvir, tocar. Pessoas lindas com quem queria gargalhar, ser feliz. Dizem que é preciso paciência. E que o tempo se encarrega de curar algumas feridas. Estou esperando, seu Tempo. Minhas feridas estão abertas, ainda sangrando. Ô Tempo, me poupa! Por favor, faz mais rápido o milagre do esquecimento...


Se se morre de amor! – Não, não se morre,
Quando é fascinação que nos surpreende
De ruidoso sarau entre os festejos;
Quando luzes, calor, orquestra e flores
Assomos de prazer nos raiam n’alma,
Que embelezada e solta em tal ambiente

No que ouve e no que vê prazer alcança!

Simpáticas feições, cintura breve,
Graciosa postura, porte airoso,
Uma fita, uma flor entre os cabelos,
Um quê mal definido, acaso podem
Num engano d’amor arrebentar-nos.
Mas isso amor não é; isso é delírio
Devaneio, ilusão, que se esvaece

Ao som final da orquestra, ao derradeiro

Clarão, que as luzes ao morrer despedem:
Se outro nome lhe dão, se amor o chamam,
D’amor igual ninguém sucumbe à perda.
Amor é vida; é ter constantemente
Alma, sentidos, coração – abertos
Ao grande, ao belo, é ser capaz d’extremos,

D’altas virtudes, té capaz de crimes!

Compreender o infinito, a imensidade
E a natureza e Deus; gostar dos campos,
D’aves, flores,murmúrios solitários;
Buscar tristeza, a soledade, o ermo,
E ter o coração em riso e festa;
E à branda festa, ao riso da nossa alma
fontes de pranto intercalar sem custo;
Conhecer o prazer e a desventura
No mesmo tempo, e ser no mesmo ponto
O ditoso, o misérrimo dos entes;

Isso é amor, e desse amor se morre!

Amar, é não saber, não ter coragem
Pra dizer que o amor que em nós sentimos;
Temer qu’olhos profanos nos devassem
O templo onde a melhor porção da vida
Se concentra; onde avaros recatamos
Essa fonte de amor, esses tesouros
Inesgotáveis d’lusões floridas;
Sentir, sem que se veja, a quem se adora,
Compreender, sem lhe ouvir, seus pensamentos,
Segui-la, sem poder fitar seus olhos,
Amá-la, sem ousar dizer que amamos,
E, temendo roçar os seus vestidos,
Arder por afogá-la em mil abraços:

Isso é amor, e desse amor se morre!


Se se morre de amor – Gonçalves Dias



se esse amor mata eu não sei,
mas morre algo em mim...


Morena dos Olhos D'água



Descansa em meu pobre peito
Que jamais enfrenta o mar,
Mas que tem abraço estreito, morena,
Com jeito de lhe agradar.
Vem ouvir lindas histórias
Que por seu amor sonhei.
Vem saber quantas vitórias, morena,
Por mares que só eu sei.


(Chico Buarque)

sábado, 27 de novembro de 2010

Torto

Deixa viver um amor torto, louco amor.
Preenche, me ensina, meu ar me respira,
acende a chama, deixa viver.

Deixa viver um amor louco, santo amor.
A calma inebria,
a espera inspira a fantasia.

Deixa viver um amor santo, primeiro amor?
Tem gosto de amor primeiro,
tem jeito de mato com cheiro de flor.

Deixa viver inteiro, mesmo metade.
Belo estranho amor, belo confuso amor.
Deixa viver, deixa.



quinta-feira, 14 de outubro de 2010

descarrego

Arranca meus pudores
Adia seus medos
Corra sem freios
Solta minhas amarras

Entra
Me rasga
Me invade
Me queima

Não nega meu beijo
Meu peito em brasa
Me toca
Me queira

Me tenha.

Faz a vida pulsar
Me deixa irradiar calor.

Ah! Saudade do que não veio.
Ou do que ainda virá...?

domingo, 10 de outubro de 2010

fogo

Gostar de ver você sorrir
Gastar das horas pra te ver dormir
Enquanto o mundo roda em vão
Eu tomo o tempo
O velho gasta solidão
Em meio aos pombos na Praça da Sé
O pôr do Sol invade o chão do apartamento

Vermelhos são seus beijos
Que meigos são seus olhos
Ver que tudo pode retroceder
Que aquele velho pode ser eu
No fundo da alma há solidão
E um frio que suplica um aconchego

Vermelhos são seus beijos
Quase que me queimam
Que meigo são seus olhos
Lânguida face
Seus beijos são vermelhos
Quase que me queimam
Que meigos são seus olhos
Lânguida face

Vanessa da Mata - Vermelho

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Sobre mudanças e milagres

O milagre existe. Há quem diga que está nos pequenos detalhes. Há quem acredite em grandes milagres. Eu o vejo nos detalhes, e acredito nos grandes. Uma mudança também é um milagre. Difícil é aceitar a mudança, estranheza no início. Clichês a parte, nada é por acaso. E Deus (Deus?) sabe o que faz. Refleti sobre os milagres divinos. Prefiro não usar um nome. Acredito numa força, "Por isso uma força me leva a cantar / por isso essa força estranha no ar / Por isso é que eu canto, não posso parar / Por isso essa voz tamanha". Essa força que move montanhas e carrega as nuvens, nos livra de uma tempestade, nos brinda com um dia de sol, promove a festa da primavera, faz o mundo girar, e a vida viver. A força para a cura, a força para conquistas, a força para as vitórias. Essa semana, além dos meus pequenos milagres, presencio vários outros. O milagre do nascimento em meio ao desespero da morte. E depois o milagre da vida enganando a morte. Conquistas materiais (por que não?), resultado de trabalho e batalha que acompanho há seis anos. Conquista do auto-controle, depois de ver a pessoa batendo a cabeça feio por dois anos inteiros, é lindo ver a mudança. A atividade que não pára, os trabalhos que sempre vêm, a proposta que se cumpre: trabalho suado que rende bons frutos. E a mudança. Essas reviravoltas repentinas. O que têm de milagre? Talvez uma libertação. Minha vida vai mudar, talvez. Mas tem uma pessoinha que vai sentir essa mudança infinitamente mais forte, é hora de dar a mão. Ainda não digeri a informação. Que venha a mudança, que venha a liberdade, que outros ventos soprem em minha casa.

Vento que balança as palhas do coqueiro
Vento que encrespa as ondas do mar
Vento que assanha os cabelos da morena
Me trás notícia de lá

Prece ao vento (Fernando Mendes)


Da adversidade brota a vida...

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

mimos



Praia ou montanha, torta de limão ou pudim de leite, sim ou não? Quero tudo, satisfazer meus caprichos de menina. Quero não precisar escolher entre coisas boas. A cada escolha feita, uma perda. E a dúvida. Como seria se a escolha fosse outra? Eis o mistério... depois da decisão, a coisa perdida sempre parece mais interessante-gostosa-divertida do que a coisa escolhida. No Natal eu sempre escolhi apenas um super presente. Quando chegava a hora, o Papai Noel fazia a parte dele de deixar o presente embaixo da árvore, e meus olhinhos atentos e ansiosos, quase não aguentavam esperar até meia noite. Presente aberto, caras felizes. Pensei tanto pra decidir o super presente, mas não pude evitar a dúvida. Seria esse mesmo o mais legal? Existia, porém, a esperança de um novo Natal. Eu poderia esperar mais um ano inteiro e escolher de novo, mais uma chance. Agora tenho a aflição de perder para sempre o caminho deixado pra trás. Não posso escolher de novo? Escolher o que mais me apetece no momento é alimentar o mimo. Vira brincadeira com o coração. Perigoso. E triste. O rio não corre mais rápido apenas porque quero. Uma escolha fecha uma janela. E abre uma porta. Será preciso bater mais do que uma vez na mesma porta até que ela se abra. Aceito os limites. Paciência, prudência e persistência... Capacidade de espera.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

quarto estranho

A cama não acolhe e o travesseiro grita: levanta!
Sono, tantos dias mal dormido, vem pra casa, volta.
Me engole, me embala, me dorme, dorme, dorme...

terça-feira, 28 de setembro de 2010

...

unha no tapete, arranhando o carinho que não há....
(...)
vermelho...


Cio - Kiko Dinucci/Douglas Germano

sábado, 25 de setembro de 2010

pensamento noturno...

Sinto a neblina
Meu beijo fere a madrugada
Quem me trouxe aqui
Foi o luar pra te dizer
Que a noite vai dar
Onde eu começo a me perder

Caso eu encontrar
No olho gasto da desilusão
A tempestade junto a imensidão
Corro sem cessar
Corro sem cessar

Rasgo a navalha a voz da razão
Na mesma canção
Na mesma canção

Kiko Dinucci - Ressureição

domingo, 19 de setembro de 2010

Chuva de verão

"E depois, chuva de verão...


Sabem o que é uma chuva de verão?

Primeiro, a beleza pura rompendo o céu de verão, esse temor respeitoso que toma conta do coração, sentir-se tão irrisório no próprio centro do sublime, tão frágil e tão repleto da majestade das coisas, siderado, agarrado, radiante pela munificência do mundo.

Em seguida, caminhar por um corredor e, de repente, penetrar num quarto de luz. Outra dimensão, certezas que acabam de nascer. O corpo já não é uma ganga, o espírito habita as nuvens, a força da água é dela, dias felizes se anunciam, num novo nascimento.

Depois, como as lágrimas, às vezes, quando são redondas, fortes e solidárias, deixam atrás de si uma longa praia lavada de discórdia, a chuva, no verão, varrendo a poeira imóvel é para a alma das criaturas como uma respiração sem fim.


Assim, certas chuvas de verão se implantam em nós como um novo coração que bate em uníssono com o outro."


Muriel Barbery
A elegância do ouriço


é isso... eu quero uma chuva de verão...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

Suspenso

Sol. Grama. Piquenique.
Bolo de cenoura e sanduíche.
Chá. Chuva. Chuva!
Não cabe tudo nas mãos.
Corre. Corre!
Bolo molhado, sanduíche molenga, chá aguado.
Não deu tempo...

A função da arte/1

Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar. Viajaram para o Sul.
Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando.
Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente de seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto o seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza.
E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai:
- Me ajuda a olhar!

O Livro dos abraços
Eduardo Galeano