segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Sobre a primavera, celebrai!

Uma bela primavera. Sem cor, por enquanto, mas tão bela. Bela dentro da gente, aqui, pulsando. Começa com um empurrão, um grito que corre a garganta e escorre paiol abaixo. Leva leva leva de volta, que isso já não me pertence. Tão bom descarrego. Já tenho dúvidas se tenho ido em eventos catárticos ou se eu é que estou dada à catarse. Eu, que nunca fui passional, me largo, deixo a obra me consumir. Uma viagem. Uma cidade estranha. Um medo involuntário. Peixe fora d'água? Não moraria lá, definitivamente. Muito concreto, muito cocô de cachorro na rua. Pisei em um, e aff... quem disse que achei uma graminha pra passar meu pé? Mas essa sensação de tudo novo é tão boa. Ansiosa, maluca. Enquanto o ingresso não estivesse na mão, não ficaria tranquila. Fitinha no braço, programa na mão, dentro da capa de chuva. Só esperar. Uma aquecida antes, claro, o teatro pede. E começa a celebração. Coisa mais linda, uma correria de mãos dadas, palmas de pés, uma música "Entra na roda cobra grande, viva! Viva! Rua Oficina dá saída, o resto esqueça. Vamos pra rua, come cabeça!"¹. E a cobra vai pra rua. Energia, crianças, bateria. Cenas lindas, poesia em cima do morro de concreto. E de volta ao teatro, a mágica acontece. "O nosso bando é de eleitos, trazemos mágicos feitos!"¹. Atenta a cada segundo de cena, querendo correr com aqueles belos bichos humanos. E que belos, e livres. Até que é feito o convite. Um não logo na ponta da língua. Que vergonha! Uma sedução depois, peça por peça no chão. É quase uma multidão, linda assim, livre. "O que atropelava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. (...) A transformação permanente do Tabu em totem."². Devorar e ser devorado. Quebre o tabu, fique nu! "Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval."². Alguma coisa grande aqui dentro, pulsa. Já foram quatro dias de primavera. O primeiro pra largar o que não mais me pertence. O segundo, uma macumba me lança no espaço, vida. O terceiro, cansaço. O quarto, hoje, a vontade de organizar, e fazer tudo novo, de novo, decidir o rumo, e bora! E amanhã? Quem sabe? Tem um amor aqui que move meu mundo. Gosto desse amor. Veio antes da primavera, mas da primavera faz sua morada. Sinto real. E pra hoje, tão longe, o sentir basta.

¹. Trechos de músicas do espetáculo Macumba Antropófaga do Teat(r)o Oficina.
². Trechos do Manifesto Antropófago de Oswald de Andrade.

"Mas aquela, aquela uma não se transformava em nada diferente dela mesma,
apenas aperfeiçoava a própria forma."
 Caio Fernando Abreu

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